Fonte/Imagem: DW Brasil
O governo Jair Bolsonaro criou uma nova engenharia orçamentária para destinar recursos a obras e compra de máquinas e veículos por indicação de deputados e senadores que apoiam o Palácio do Planalto sem que haja transparência sobre o autor dos pedidos, segundo reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo (09/05).
O governo Jair Bolsonaro criou uma nova engenharia orçamentária para destinar recursos a obras e compra de máquinas e veículos por indicação de deputados e senadores que apoiam o Palácio do Planalto sem que haja transparência sobre o autor dos pedidos, segundo reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo (09/05).
O mecanismo beneficiou parlamentares alinhados ao governo e teria envolvido a destinação de R$ 3 bilhões em recursos por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, e órgãos vinculados à pasta, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs).
Como o autor das indicações e o destino final das verbas não ficam registrados no Orçamento ou no Diário Oficial, o caso está sendo chamado de "emendas secretas" ou de "orçamento paralelo".
A prática se estabeleceu no final do ano passado, quando Bolsonaro, já próximo do Centrão, buscava influir na eleição da presidência da Câmara e do Senado e assegurar proteção a seus filhos e contra um eventual processo de impeachment.
Segundo o Estadão, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que presidia o Senado, foi o parlamentar que indicou o maior volume de verbas por esse canal: R$ 277 milhões. O deputado Ciro Nogueira (Progressistas-PI), líder do Centrão, indicou a destinação de R$ 135 milhões, enquanto Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, R$ 125 milhões. Arthur Lira (Progressistas-AL), atual presidente da Câmara, determinou onde seriam gastos outros R$ 114 milhões.
O mesmo esquema foi utilizado por diversos outros deputados e senadores próximos do Palácio do Planalto. Em alguns casos, o jornal aponta indícios de superfaturamento.
Todo deputado e senador tem direito de determinar onde serão gastos R$ 16 milhões por ano, por meio das emendas individuais ao Orçamento. Metade desse valor deve ir para despesas na área de saúde, e a outra metade pode ser decidida livremente pelo parlamentar.
Até 2019, a liberação das verbas dessas emendas individuais dependia do aval do governo, que usava esse poder para negociar o apoio de parlamentares em votações importantes na Câmara e Senado. Naquele ano, o Congresso promulgou uma emenda constitucional que determinou a execução impositiva dessas emendas, independente de aval do governo.
Essa mudança fez com que, de 2020 em diante, o governo federal perdesse o instrumento de liberação de emendas individuais como moeda de troca com parlamentares. Mas o mecanismo revelado pelo jornal indica que um procedimento semelhante, mas menos transparente, foi criado no lugar.
No final de 2020, segundo o Estadão, o governo reservou R$ 3 bilhões do Ministério do Desenvolvimento Agrário para parlamentares que o apoiassem, e passou a informar os deputados e senadores o valor que cada um poderia indicar. Os políticos então enviavam ofícios aos órgãos responsáveis solicitando a destinação dos recursos.
O jornal relata ter tido acesso a 101 ofícios enviados por parlamentares ao Ministério do Desenvolvimento Regional e a órgãos vinculados que solicitavam a transferência de verbas para a realização de obras ou a compra de máquinas e veículos. Alguns desses ofícios, que em regra não ficam disponíveis ao público, deixavam clara a negociação com o governo.
No documento enviado pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA), por exemplo, ele pede a liberação de R$ 12 milhões "referente à minha cota, autorizada pela Secretaria de Governo de Presidência da República" para asfaltar vias na Bahia. O deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA) enviou ofício ao Dnocs solicitando a transferência de R$ 3 milhões "a mim reservados". Em outro ofício, a deputada Flávia Arruda (PL-DF), que desde março é ministra da Secretaria de Governo, pede a liberação de R$ 5 milhões que "compõe o limite orçamentário a mim disponibilizado". As verbas foram empenhadas no final do ano passado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.
Destino dos recursos
Pelo menos R$ 271,8 milhões transferidos por esse canal foram destinados à compra de tratores, retroescavadeiras, motoniveladoras e equipamentos agrícolas, por indicação de 37 deputados e cinco senadores, segundo o jornal.
Esses equipamentos são usados por prefeituras na manutenção de estradas de terra e em cooperativas de agricultura familiar. A entrega das máquinas costuma ser feita em eventos com a presença de políticos que servem para propagandear feitos e se aproximar de possíveis eleitores.
Entre as compras de máquinas e equipamentos agrícolas analisadas pelo jornal, 361 itens tiveram preço acima do valor de referência estabelecido em cartilha do próprio Ministério do Desenvolvimento Regional, com uma diferença de até 259% no preço.
O deputado Vitor Hugo (PSL-GO), por exemplo, indicou a compra de quatro motoniveladoras por R$ 2,8 milhões, ou R$ 500 mil a mais do valor da tabela do governo. O deputado Charles Fernandes (PSD-BA) indicou a compra de uma retroescavadeira para uma associação beneficente no interior da Bahia pelo valor de R$ 300 mil, R$ 50 mil a mais que o preço de referência. E o deputado Nelto (Podemos-GO) pediu a compra de quatro máquinas motoniveladora por R$ 723 mil cada, quando o preço de referência é R$ 470 mil, segundo o jornal.
Uso da Codevasf
Um dos órgãos preferidos dos parlamentares para executar essas despesas é a Codevasf, que não precisa se submeter a todas as regras sobre licitações públicas exigidas dos ministérios. Dessa forma, a contratação de serviços e a compra de equipamentos é mais rápida e submetida a menos controles.
Além disso, a direção da Codevasf e suas superintendências regionais são comandadas por pessoas indicadas por parlamentares, o que aumenta o controle do Congresso sobre o destino das verbas.
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Durante o governo Bolsonaro, a área de atuação da Codevasf, criada em 1974 para desenvolver as regiões dos rios São Francisco e Parnaíba, foi ampliada e ganhou cerca de mil novos municípios, segundo o jornal – sua área de atuação passou de 27,05% para 36,59% do território nacional.
Essa ampliação incluiu no rol da Codevasf o Amapá, reduto de Alcolumbre, e o Rio Grande do Norte, do ministro Marinho, que comanda o Ministério do Desenvolvimento Regional, entre outras regiões.
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Governo nega, partidos reagem
Ao jornal O Estado de S. Paulo, a Secretaria de Governo disse que não reservou cotas de verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional para parlamentares. O Ministério do Desenvolvimento Regional, por sua vez, disse que os valores foram executados conforme definição do Congresso.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, negou nesta segunda-feira ao jornal O Globo que haja um orçamento paralelo em funcionamento no governo e que as indicações de verbas seriam parte das emendas discricionárias dos parlamentares.
O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), Lucas Furtado, pediu nesta segunda que o tribunal apure o caso.
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A bancada do Partido Novo na Câmara apresentou uma representação ao TCU pedindo a apuração do esquema, e a bancada do PSOL pediu à Procuradoria-Geral da República que avalie se há cometimento dos crimes de prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.
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