Fonte: Valor Econômico
A Justiça do Trabalho completa 75 anos em um momento delicado da sua história. Com um orçamento menor do que o esperado, tenta conciliar funcionários e empresas em meio a pressões por uma modernização das leis trabalhistas. Mudanças que dividem empregados e patrões que reclamam de um protecionismo exacerbado e não geram consenso nem entre os ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Enquanto o presidente Ives Gandra Martins Filho defende abertamente a modernização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a prevalência de acordos coletivos, a maioria dos ministros critica a flexibilização dos direitos dos trabalhadores. Mas à medida que evoluem as discussões, os magistrados acompanham decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) favoráveis aos acertos feitos entre empresas e sindicatos e que reformam entendimentos do TST.
Os que exigem mudanças apresentam uma alta conta para as empresas: R$ 17 bilhões em 2015 o valor pago em ações trabalhistas. Para o Ministério Público do Trabalho (MPT), porém, ainda é financeiramente “vantajoso” para as empresas descumprirem leis trabalhistas.
Em meio às pressões, a Justiça do Trabalho luta para manter sua estrutura. Neste ano, foi surpreendida por um orçamento menor que o solicitado, de R$ 16 bilhões, e uma justificativa incomum do relatorgeral do orçamento da União para 2016, deputado Ricardo Barros (PPPR), para a redução do valor inicial, de R$ 18 bilhões. “O próprio relator colocou que, como a Justiça do Trabalho estava mais prejudicando que colaborando com as relações do trabalho, não merecia um orçamento tão ampliado”, afirma o ministro Ives Gandra Martins Filho.
Os recursos mantêm em funcionamento um sistema que recebeu 3,5 milhões de novos casos em 2015, de acordo com o Relatório Analítico da Justiça do Trabalho. Os assuntos mais recorrentes foram aviso prévio, multa pelo não pagamento de verba rescisória, multa de 40% do FGTS e horas extras. “A demanda nos leva a pensar por que esse ramo da Justiça é tão procurado”, diz o procuradorgeral do trabalho, Ronaldo Curado Fleury. “Penso que o problema não está na Justiça do Trabalho, mas na falta de fiscalização do trabalho.”
Segundo o procuradorgeral, o déficit de auditores do trabalho está em torno de 30%. A visão de que a Justiça do trabalho protege demasiadamente os trabalhadores não é mais verdadeira, acrescenta ele, pois há muitas ações que são julgadas improcedentes. “Hoje em dia, no Brasil, vale a pena descumprir a legislação trabalhista. É rentável”, afirma.
Essa não é, porém, a visão das empresas. O presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, defende que os empregadores ficam à mercê de interpretações das leis trabalhistas. “Muitas vezes não se consegue cumprir 100% da legislação”, diz. “A Justiça do Trabalho cumpre seu papel, mas ainda carrega um viés ideológico que impede um avanço nas discussões sobre competitividade. Agora, para a CNI, seria o momento de harmonizar competitividade à proteção do trabalhador.”
Para o presidente do TST, é necessário, em meio às discussões sobre terceirização e modernização da CLT, evitar a precarização. Sem, porém, impedir o desenvolvimento da economia. “O marco regulatório não pode ser algo que cerceie a atividade econômica de modo que, para proteger o trabalhador, você faça com que chegue a não ter empresa nem produção. O que você tem que fazer é evitar precarização”, afirma.
Martins Filho defende a proposta apresentada pelo deputado Júlio Lopes (PPRJ), que tramita na Câmara Federal. O projeto permite a flexibilização de salário e jornada, desde que por meio de negociação entre sindicatos e empresas e apresentação de uma contrapartida ao trabalhador.
A visão do presidente sobre a modernização das leis trabalhistas encontra resistência no próprio TST. Em junho, um grupo de ministros divulgou um documento que criticava a flexibilização dos direitos dos trabalhadores. O documento foi assinado por 19 dos 27 integrantes da Corte.
O ministro não desconhece que sua posição não é unânime, mas pondera que muitas pessoas que são contrárias à reforma não fazem a análise econômica do direito. De acordo com ele, a Justiça tem capacidade de harmonizar as relações de trabalho se ela for equilibrada. Mas se a legislação for aplicada rigidamente, ela não tem condições de gerar emprego, pelo contrário. “Ninguém reforma a casa para deixála pior. Só para melhorar. Você pode pensar que agora não é o momento para reforma porque temos 10 milhões de desempregados. Mas se não a fizermos, vamos para 15 ou 20 milhões.”
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