terça-feira, 3 de novembro de 2020

A vacina de Oxford é realmente tão promissora?



Fonte/Imagem: DW BR
Hoje há mais de 200 projetos de vacina contra o coronavírus em andamento em todo o mundo. Deles, nove são considerados pelos observadores como favoritos por já estarem em estágio avançado de testes. 

Um dos projetos que tem atraído particular atenção é o da ChAdOx1, a chamada vacina de Oxford, que está sendo testada no Brasil e em outros países. 

A vacina, da empresa de biotecnologia Vaccitech, foi desenvolvida pela farmacêutica britânico-sueca AstraZeneca em colaboração com a Universidade de Oxford e é também conhecida como AZD1222. 

O jornal inglês The Guardian, citando pesquisadores envolvidos no projeto, noticiou na última terça-feira (27/10) que as últimas pesquisas sugerem que a vacina "produz uma resposta imunitária tanto nos adultos mais velhos como nos jovens". A informação teria circulado, segundo o jornal, num evento acadêmico fechado. Os dados, porém, só serão divulgados após serem revisados por outros pesquisadores. 

UE acelera processo de verificação
A agência europeia de medicamentos, EMA, já iniciou uma revisão da AZD1222. É a primeira vez que isso está sendo feito na União Europeia com uma vacina contra o coronavírus. Para poupar tempo, a agência está verificando os dados dos testes enquanto eles ainda estão sendo recolhidos, algo que nunca antes havia acontecido. 

Dentro deste procedimento atual, é possível que a vacina possa ser liberada já alguns dias após o fim dos testes - se a agência europeia estiver convencida de que ela é eficaz e segura. Mas até agora a EMA tem se recusado a dizer quanto tempo a revisão vai demorar. Ela diz apenas que os testes com milhares de voluntários estão em andamento e que os resultados são esperados nas próximas "semanas ou meses". 

Embora ainda não esteja claro se a vacina será aprovada, vários governos já encomendaram dezenas de milhões de doses. A AstraZeneca já assinou, por exemplo, um acordo com um instituto da Índia para produzir pelo menos 300 milhões de doses. Ter acesso prioritário à vacina pode, afinal, gerar bilhões em lucros. 

Mas críticos como o biólogo austríaco Clemens Arvay veem tudo isso como uma confirmação de sua crença de que a poderosa indústria farmacêutica quer trazer a vacina para o mercado a qualquer custo em busca de lucro. Arvay, que tem um blog no Youtube, argumenta que, no processo, se está ignorando a devida cautela médica e pondo em risco a saúde do público. 

Ele apoia o argumento com uma série de pontos: a substância ativa não criou proteção suficiente contra infecções na fase pré-clínica em primatas e, no entanto, foi aprovada para um ensaio combinado das fases 1 e 2. Nesta fase, houve graves efeitos colaterais: febre e diminuição dos glóbulos brancos (neutropenia). Apesar disso, a vacina foi aprovada para a fase 3. E agora houve um grave incidente na fase 3 - um paciente sofreu de mielite transversa - mas a pesquisa continua. 

"Posso entender a preocupação de que as pessoas não estão trabalhando cuidadosamente porque a pressão é grande", diz Stephan Becker, virologista da Universidade de Marburg, na Alemanha. "Por isso, há razão para ficar com a pulga atrás da orelha." 

O próprio Becker esteve envolvido no estudo combinado das fases 1 e 2. Seu instituto realizou o monitoramento imunológico no teste de neutralização de anticorpos. Isso significa que ele e seus colegas verificaram se uma das três respostas imunológicas desejadas para a vacinação funcionava. 

Neste teste, os pesquisadores verificaram a funcionalidade da vacinação e se os anticorpos desenvolvidos pelo sistema imunológico do paciente vacinado poderiam inibir a infectividade viral. Os pesquisadores realizaram um teste sorológico (Elisa) que mostrou que os pacientes produziram anticorpos ligados à proteína spike típica do Sars-CoV-2. Um terceiro teste tratou da resposta das células T, ou seja, a defesa imunológica aprendida dos glóbulos brancos. 

"Não tenho a impressão de que a indústria esteja exercendo pressão sobre os cientistas e as autoridades reguladoras. As autoridades reguladoras estão agora muito concentradas nas vacinas para covid-19, mas isso não significa que se esteja trabalhando com menos cuidado", diz Becker. 

A vacina é mesmo eficaz?
Em suas críticas, Arvay recorre à opinião de especialistas como o proeminente geneticista e biólogo molecular americano William A. Haseltine. Em maio, Haseltine havia expressado dúvidas sobre a eficácia da vacina em um artigo na revista Forbes. Ele escreveu que estava decepcionado com os resultados da fase pré-clínica, na qual a vacina foi testada em animais. 

Mas Becker tem uma interpretação diferente dos resultados deste estudo, que foi publicado em versão prévia nas revistas científicas Biorxiv e Nature. 

A vacina foi primeiramente testada em ratos e, posteriormente, em macacos. Becker diz que o estudo demonstrou que todos os ratos apresentaram reação após a vacinação. Os roedores produziram três formas desejadas de imunidade, tanto quanto a neutralizantes quanto no teste serológico. "E parece que a resposta das células T também funciona", diz ele. 

O pesquisador afirma que os testes com macacos produziram resultados semelhantes. "Aqui você pode ver que os animais também sobem no Elisa após uma única vacinação e têm uma resposta neutralizante e uma resposta de célula T também", comenta. 

Após serem vacinados, os animais foram infectados com o coronavírus. O estudo mostra que eles tiveram uma redução na carga viral na região nasal. A redução da carga viral "não foi tão acentuada" no pulmão, reconhece Becker. Mas ele diz que isso não é suficiente para concluir que a vacina não funciona - especialmente levando em conta que o estudo combinando fase 1/fase 2 em humanos mostrou que 91% dos vacinados desenvolveram anticorpos específicos após uma única vacinação, e 100% após a segunda vacinação. 

Efeitos colaterais semelhantes aos da gripe
A segunda crítica da Arvay se concentra nos efeitos colaterais registrados durante os testes - no caso sintomas semelhantes aos da gripe, desenvolvidos temporariamente por cerca de 70% das pessoas vacinadas em teste. Elas também tiveram febre alta, de mais de 38 graus Celsius. 

Stephan Becker também se impressionou no início. "Mas, se a febre diminui rapidamente, é aceitável dizer: não se trata de um efeito colateral sério - no sentido de que não é prolongado. Em tais casos, afirma ele, é preciso ponderar se o risco para os pacientes supera a proteção que eles recebem contra uma infecção pelo coronavírus. O pesquisador alemão diz que é sempre importante verificar se tal vacinação ainda pode ser usada com segurança naqueles que estão particularmente em risco de contrair a covid-19, ou seja, pessoas idosas e com histórico de doenças. 

Um em cada dez participantes do estudo na fase 1/fase 2 foi submetido ao monitoramento do sangue e constatou-se que os neutrófilos, tipos de glóbulos brancos, haviam diminuído temporariamente em 46% dos testados. 

Segundo Arvay, esta neutropenia é uma indicação de que o sistema imunológico está enfraquecido pela vacinação. Em sua opinião, não se justificava passar à fase 3. 

Becker concorda que a proporção de pessoas em teste nas quais isso foi observado é considerável, porque a neutropenia ocorre com muito menos frequência em vacinas convencionais. Mas ele diz que também há exceções. 

Por exemplo, a neutropenia é um efeito colateral comum na vacinação contra a febre amarela, considerada uma das mais seguras. 

Portanto, diz Becker, talvez tenha sido correto iniciar a fase 3 com testes em humanos. "Se os neutrófilos desaparecem do soro, é porque eles se retiram para onde são agora necessários - para o local onde a vacinação está sendo administrada. Esta é provavelmente também a razão pela qual eles voltam relativamente rápido", comenta. 

Becker afirma que a neutropenia e a febre podem provavelmente ser interpretadas como parte da mesma reação. "É desagradável, mas é também um sinal de que o sistema imunológico entrou em ação aqui", diz. Em tal situação, é difícil para os médicos decidir se faz sentido prosseguir com o desenvolvimento de uma vacina. "É claro que se deseja que uma vacina ideal não tenha nenhum efeito colateral e que proporcione 100% de proteção. Mas isso é raro, especialmente se a vacina tiver que ser desenvolvida e testada sob condições como as que temos agora.”

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